sábado, 19 de novembro de 2011

a minha ilusão é só minha
fui eu que a inventei
seja com ópio ou vinho demais

os meus problemas emocionais
cujas origens eu sei que existem e de onde vêm
mas não me lembro como é o lugar de onde vêm

essa tosse de duas semanas
com esses cigarros intermináveis

um clima quente e frio
um tempo doce e amargo

um triste fim

Por Leo Maroma.

"os preocupados"

eu creio com firmeza que a vida
é promovida pelos preocupados.
os preocupados são os analistas
da vida, ou seja, a vida só existe
pela preocupação de que se forma.

mas ocorre que jamais um vive
preocupado em promover a vida.
e os que bradam “eu vivo a vida!”
são promovidos à ação, contudo,
eles não podem ser os mandantes,
eles estão renegados ao progresso.

no meio-tempo, os preocupados
sem jamais viverem eles exercem
a dádiva do câncer, o riso divino.

a força do amor é do abandono,
os preocupados amam e deixam
para os sorridentes escravizados
a alegria doce de não ver e agir.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A mente inquieta e faminta
Memória de agonia
Órgãos em drama
Desordenamento de todos os sentidos
Contínuas intervenções
Um pulso de abstração
Mitologias suicidas seduzem-me
A força do amor é do abandono
A mente inquieta e faminta
Memória de agonia
Órgãos em drama
Desordenamento de todos os sentidos
Contínuas intervenções
Um pulso de abstração
Mitologias suicidas seduzem-me
A força do amor é do abandono

quinta-feira, 17 de março de 2011

Cronologia

Tecnicamente não sou lá boa pessoa.
Amei e fui amado sem ter visto nisso
amor ou o que quer que seja. Em segredo
traí amigos mulheres e a memória alheia.
Cultivei a mentira o medo a covardia,
tudo em seu registro menos assertivo,
e só mais tarde fui aprender que ao melhor mal
coube a mim apenas a melhor resposta.
Pois se houve bem no mal do qual fiz parte
foi o de ver que as pedras que tenho no bolso
também estão no bolso daqueles que não
abracei nem dei a mão. Nossa canção
embora solitária e cheia de paz
é uma só canção e, cante o que cantar,
ouviremos apenas os ruídos deste
que tem sido apesar de tudo o nosso tempo.

*Do livro, A Morte de Tony Bennett, obra um tanto instigante e inusitada do carioca Leonardo Gandolfi.

terça-feira, 1 de março de 2011

Insônia

O dicionário define insônia como: falta de sono e dificuldade para dormir devido a problemas neurológicos. Porém para médicos e poetas o significado desta palavra vai muito além disto. Os doutores dizem que a falta de sono é causada por uma anormalidade neuroquímica, que os poetas souberam descrever muito bem, como naquela poesia de Fernando Pessoa, encarnando o pseudônimo de Álvaro Campos.

Tenho convivido com ela; a insônia! E tenho tentado pensar como Cazuza, que disse certa vez que "todo dia a insônia me convence que o céu, faz tudo ficar infinito..."




Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

...ônus da convivência social!